A média de gastos da Presidência da República com cartão corporativo segue alta no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) mesmo diante da atual pandemia do coronavírus, que afetou a atividade econômica e estabeleceu o isolamento social.
Até novembro deste ano, fatura mais recente divulgada pelo Portal da Transparência, o atual governo teve uma média mensal de desembolso superior à de Michel Temer (MDB).
Na gestão atual, foi gasto em média até agora R$ 672,1 mil por mês, o que representa uma alta de 51,7% em relação ao governo do emedebista.
Antes de assumir o governo, a equipe de Bolsonaro chegou a avaliar o fim desses cartões, que desencadearam um escândalo político com auxiliares do ex-presidente Lula. Os cartões corporativos, porém, ainda continuam funcionando —e sem o detalhamento dos desembolsos.
Neste ano, até o mês de novembro, o presidente desembolsou mais no cartão corporativo do que no ano passado. Ele gastou R$ 7,86 milhões, contra R$ 7,6 milhões em 2019, seu primeiro ano de mandato.
No início deste ano, Bolsonaro justificou que teve um gasto alto em fevereiro, de R$ 1,9 milhão, porque, segundo ele, saiu do cartão corporativo um desembolso de R$ 739 mil para financiar o resgate de brasileiros que estavam em Wuhan, na China, onde foram registrados os primeiros casos do coronavírus.
Sem a despesa com a operação de resgate, o presidente gastou, ainda assim, uma média de R$ 640 mil por mês com o cartão —44,5% a mais que Temer.
O cartão corporativo foi criado em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Ele é distribuído a pessoas que ocupam postos-chave da gestão pública e cobrem despesas de urgência pela compra de produtos e serviços ou pela cobertura de gastos de viagens.
A Vice-Presidência tem cartões próprios, cujos custos são separados. Segundo o governo, as faturas da Secretaria de Administração da Presidência da República só incluem os gastos do vice-presidente quando ele exerce a função do presidente —por exemplo, se Bolsonaro está em viagem internacional.
Os valores totais das despesas do cartão da Presidência da República são divulgados, mas há sigilo sobre a maioria dos gastos, como alimentação e transporte. O argumento é de que são informações sensíveis da rotina presidencial e que a exposição pode colocar o chefe do Executivo em risco.
Em agosto do ano passado, Bolsonaro prometeu mostrar aos veículos de imprensa o extrato de seu cartão corporativo pessoal, mas até hoje não o fez. "Eu vou abrir o sigilo do meu cartão. Para vocês tomarem conhecimento quanto gastei de janeiro até o final de julho. Ok, imprensa? Vamos fazer uma matéria legal?", afirmou na época.
Na transição de governo, o atual ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, chegou a defender o fim dos cartões corporativos, só que a proposta não teve o apoio de toda equipe do presidente e o benefício foi mantido.
No ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou trechos de um decreto de 1967 para dar transparência a gastos do Palácio do Planalto, inclusive com cartões corporativos. No entanto, o Palácio do Planalto afirma que a decisão não se aplica aos gastos com o cartão.
“A resistência do presidente da República em dar transparência aos gastos do cartão corporativo da Presidência é inadmissível, e a sociedade deve continuar cobrando”, avalia a ONG Transparência Internacional, reforçando que o sigilo deve existir apenas quando envolver verdadeiramente risco de segurança. “Para todo o resto, a transparência deve ser a regra”, completou.
Para a Artigo19, ONG internacional que defende o direito à liberdade de expressão e acesso à informação, a postura do Palácio do Planalto dificulta o acesso à informação, que é essencial para o exercício da cidadania.
“Esses gastos são vinculados ao orçamento estatal e devem, portanto, seguir a premissa de publicização e controle externo, especialmente no contexto de austeridade imposto à população pelos dirigentes estatais”, afirmou a entidade.